terça-feira, 18 de abril de 2017

"Cândido ou o Otimismo", de Voltaire

   Voltaire é uma figura bastante conhecida e incontornável do Iluminismo e da filosofia ocidental. Ficou famoso pelas suas ideias sobre a liberdade de expressão e de pensamento e pela sua mordaz ironia. Ironia essa que conhece a sua expressão mais famosa nesta paródia de romance que dá pelo nome de Cândido ou o Otimismo. Publicado anonimamente, é imediatamente descoberto o autor, atingindo o marco impressionante de vinte edições logo no ano de publicação. É fácil, com estes números, perceber o impacto estrondoso desta obra na cultura europeia setecentista. 
   O jovem Cândido vive no castelo de um barão na Vestfália, onde se apaixona pela bela Cunegundes. Cândido cresce a ouvir as teorias do filósofo Pangloss, de que tudo vai pelo melhor até ao dia em que é expulso do castelo por ter sido descoberto pelo barão com Cunegundes. Partindo daqui, Cândido percorre o mundo, vivendo mil e uma aventuras tão inverosímeis como fantásticas. Ao longo de todas as suas desventuras, Cândido vê ser postas em causa todas as teorias otimistas de Pangloss, cada vez mais desacreditando do que o velho percetor dizia. Todas essas aventuras culminam num final terrivelmente irónico e cético, que nos leva a questionar que raio será o papel do homem no miserável espetáculo do mundo.
   Temos três momentos na narrativa. O primeiro momento é o da inocência do otimismo de Cândido, que de cada obstáculo retira um aspeto positivo posterior que suportam a sua crença nas teses de Pangloss. O segundo momento corresponde à descoberta do "melhor dos mundos possíveis", o fictício Eldorado. O terceiro é a fase da crescente descrença e perda da inocência, após a descoberta do "melhor dos mundos possíveis", no qual Cândido se vai convencendo cada vez mais de que o mundo talvez não vá pelo melhor. Os personagens que rodeiam Cândido e as ideias destes marcam bem estes momentos. No início da narrativa, Cândido viaja com Pangloss, que representa a inocência do otimismo; a meio da narrativa, Cândido é acompanhado por Cacambo, personagem cuja ideologia neutra reflete a descoberta do mundo ideal; no final da narrativa, Cândido conhece Martin, cujas ideias derrotistas e céticas representam bem a crescente desilusão do jovem face ao mundo, terminando tudo num reencontro de personagens que reflete a humanidade num todo, ou seja, que todos têm, no fundo, razão nas suas teorias, porque o mundo é assim mesmo: complexo. Merece ainda referência o simbolismo da personagem de Cunegundes, que inicia a narrativa sendo de uma beleza extraordinária e a termina sendo de uma fealdade repugnante, o que simboliza, a meu ver, o próprio otimismo, a ilusão que cria da vida e a posterior revelação da crua verdade. Este conto foi marcante no contexto da literatura europeia. Voltaire introduziu, com este, o uso da ironia e da paródia para criticar a sociedade, algo a que a maior parte das obras literárias recorrerá a partir da introdução do Realismo. 
   Não tenho mais nada a acrescentar, porque a obra é bastante simples. Mas a sua relevância na cultura ocidental é marcante da época iluminada a que pertenceu o seu autor. Para quem aprecia uma boa gargalhada e uma dissecação dos aspetos viciosos da sociedade (que se mantêm, diga-se de passagem), deve ler esta obra. 

Citações:
"A sua fisionomia retratava a sua alma. Possuía o raciocínio justo e o espírito simples; era decerto por essa razão, penso eu, que lhe chamavam Cândido."
"Após o tremor de terra que destruíra três quartos de Lisboa, os sábios do país cogitaram em que o meio mais eficaz para prevenir a ruína total da cidade consistia em dar ao povo um rico auto-de-fé. Fora decidido pela Universidade de Coimbra que o espetáculo de várias pessoas queimadas a fogo lento, com grande cerimonial, era um segredo infalível para impedir a terra de tremer." 
"- Trabalhemos sem filosofar - disse Martin -, porque é o único meio de tornar a vida suportável."


Pontuação: 9/10


Gonçalo Martins de Matos

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