terça-feira, 21 de junho de 2016

"Quando Ruiu a Ponte sobre o Tamisa", de Ana Gil Campos

   Após a leitura desta obra, fico um bocado na dúvida. Fiquei não na dúvida quanto ao talento da escrita da autora, que é impecável, nem quanto aos temas, que são temas que atravessam a intemporalidade da literatura. Não, a dúvida que me foi deixada foi quanto à história que serve de base. Fiquei um bocado de pé atrás quanto à história, é da minha opinião que talvez a qualidade da escrita e a pertinência dos temas não se tenha bem enquadrado com a história deste livro. Posto isto, fico sem saber se é de mim ou se será do romance, mas não me satisfez a leitura deste Quando Ruiu a Ponte sobre o Tamisa tanto como o anterior livro desta autora.
   Dito isto, a história. Chandni é uma princesa indiana que, durante uma visita à sua família na Índia, encontra na rua uma rapariga em péssimo estado e decide ajudá-la, levando-a para a sua casa e tratando dela lá. Quando a rapariga, que diz chamar-se Paula, recupera, convida Chandni a viver uma aventura consigo, em Goa. Este evento marca o início do resto da narração. A partir de Goa, Chandni entra em contacto direto com a vida, um contacto que nunca sentira plenamente antes, devido à infância privilegiada que teve e à ingenuidade de quem pensa que tudo é perfeito (a sua vida era percecionada por si como sendo perfeita). Após um regresso a Londres, Chandni e o seu marido, Nadir, viajam para Portugal, ficando a viver no Palácio da Pena, em Sintra. Aqui, a vida e as certezas de Chandni serão todas abaladas, um evento irá motivar uma série de dúvidas, questões e inseguranças que a farão questionar o porquê e o como de tudo o que a rodeia. 
   Os aspetos negativos que atribuo ao romance são a confusão que causa a sua leitura. Há vários aspetos e pormenores que são deixados sem resposta ou que parecem inseridos onde estão só porque sim que confundem a leitura. Se a intenção da autora era criar mistérios e ambiguidades, tentou-o sem sucesso, uma vez que este tipo de temáticas não encaixa bem com as ambiguidades que a autora tentou introduzir.
   Ditos os aspetos negativos, passo aos positivos. Mais uma vez é revelado o enorme talento que a autora tem para as palavras. As descrições são imensamente belas e intensamente descritivas, têm vida, saltam das páginas. Podemos sentir com os sentidos todos as descrições que a autora faz. Há, dos elementos ambíguos que falei anteriormente, alguns que são muito bem aplicados. A existência, por exemplo, do seu confidente, que é nada mais que Gandhi, do seu protetor sempre vigilante, a coruja, e da sua alma representada fisicamente na figura do flamingo (isto, claro, de acordo com a interpretação subjetiva que fiz). Quero também mencionar e aplaudir a forma como a autora dividiu o livro. O livro está dividido em cinco partes, cada uma com uma especiaria específica atribuída a si, que representa um dos personagens descritos por Chandni, sendo que no início de cada parte está uma passagem que irá ser lida mais adiante nessa parte.
   Colmatando, é um livro que revela, como o anterior da autora, o seu incrível talento como escritora, não obstante os aspetos que me deixaram um bocado de pé atrás desta vez. Mas pode ter sido apenas impressão minha. Não somos todos iguais e claro que recomendo a sua leitura a outros que talvez vejam o que não vi, compreendam o que não compreendi. 

Citações:
 "A alma de Paula tem um aroma intenso que permanece mesmo quando ela não se encontra presente, da sua voz quente saem palavras acres e o seu olhar tem um toque adstringente. A alma de Paula é como o cravo-da-índia."
"Não vale a pena enganarmo-nos de que um inimigo poderá vir a tornar-se num verdadeiro amigo, uma amizade assim é alimentada por interesses e nunca será inteiramente pura e desinteressada. Mas a sociedade é feita de relações assim."
"Só porque a verdade de hoje é diferente da verdade de ontem, não significa que a verdade de ontem fosse menos verdadeira. Se nós e o nosso contexto mudam, como não mudará a verdade também?"


Pontuação: 7.2/10


Boas leituras, 
Gonçalo M. Matos