domingo, 20 de março de 2016

"As Cidades Invisíveis", de Italo Calvino

   Concluindo este romance fica uma incerteza. Várias, talvez, mas uma principal: este romance relata o relato de cidades que são ou o devaneio por cidades que podem ser? É provavelmente a dúvida mais pertinente que este romance de Italo Calvino nos deixa. Confesso que, quando me falaram desta obra, eu não conhecia Calvino, não sabia com o que contar. Mas todos os livros são assim, um mergulho no desconhecido. E foi o que fiz. Mergulhei neste romance e ressurgi iluminado e intrigado. Talvez esta seja a palavra que melhor caracteriza este livro: intrigante. É intrigante no sentido da história, do estilo, do conceito, do conteúdo. É um livro filosófico sem ser filosofia. É uma obra interessante e bem escrita, de um dos maiores escritores italianos do século XX. 
   A narrativa do livro parte de uma premissa interessante. A obra é o relato que Marco Polo faz ao grande Kublai Khan das cidades que visitou no vasto império deste. E é basicamente esta a narrativa. Quando falei da parte intrigante deste romance referia-me a isto mesmo. Não consigo alongar-me pela historia porque história em si não existe. No entanto, não deixa de haver um fio condutor do desenrolar do romance. Entre cada capítulo Marco Polo e Kublai Kahn refletem sobre o que Polo relatou e enveredam por conversas filosóficas no sentido de apurar o verdadeiro propósito do espaço de uma cidade. Marco Polo descreve um total de 55 cidades, cada uma diferente da outra. As descrições das cidades são feitas através de prosas curtas que chegam a lembrar poemas devido à sua profundidade. As cidades são divididas em 11 grupos temáticos, havendo cinco de cada grupo. As descrições das cidades vão para além do espaço físico da cidade, entrando pelo componente humano em cada cidade. As cidades descritas por Marco Polo a Kublai Kahn largam a sua função espacial e funcionam como meio de analisar o comportamento humano, cada uma das descrições recorrendo ao fantástico e ao surreal. Por vezes, o grande Kahn desconfia se Polo estará a dizer a verdade ou não, sendo que Polo responde sempre de forma ambígua, deixando o leitor na dúvida se estará realmente a relatar ou a imaginar. A imaginação é o tema que atravessa o livro, a efabulação é o mecanismo de narrar a história. Mas o autor consegue deixar ambiguamente a dúvida se a efabulação não será uma forma de relatar a realidade ou se a verdade não será apenas a representação física do devaneio. 
   Tanto a nível formal como material, esta obra é muito interessante. Intrigante do ponto de vista de não ser uma história no seu sentido convencional. Mas a geração de Calvino é assim mesmo. Os escritores da segunda metade do século XX representam isso mesmo: o romper com os cânones tradicionais da primeira metade do século com o seguir outras vias alternativas às vias alternativas. As Cidades Invisíveis são isso mesmo, uma inovação de uma inovação, um pegar na vanguarda do início do século e levá-la por um caminho alternativo, igualmente inovador. 
   Posto isto, não posso deixar de elogiar a obra e o autor. Este intrigante livro merece ser lido por qualquer apreciador de literatura alternativa de final do século passado. 

Citações:
"Marco Polo descreve uma ponte, pedra a pedra.
   Mas qual é a pedra que sustém a ponte? - pergunta Kublai Kan.
   A ponte não é sustida por esta ou por aquela pedra - responde Marco, - mas sim pela linha do arco que elas formam.
Kublai Kan permanece silencioso, refletindo. Depois acrescenta:    Porque me falas das pedras? É só o arco que me importa.
Polo responde:    Sem pedras não há arco."


Pontuação: 8.5/10


Intrigantes leituras,
Gonçalo M. Matos

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