domingo, 21 de agosto de 2016

"A Queda dum Anjo", de Camilo Castelo Branco

   Há muito tempo que era meu desejo ler este romance de Camilo Castelo Branco, por uma variada quantidade de razões, entre as quais a história. A história de A Queda dum Anjo é uma que é bem conhecida do público português. Camilo Castelo Branco, aprendemos nós nas aulas de português, foi o escritor mais prolífico do Romantismo português, e um grande defensor deste movimento literário. E as marcas que definem uma obra romântica encontram-se todas neste romance, com todos os seus tiques camilianos. Mas o que me leva a referir isto é o facto de aqui já se notar uma metamorfose na literatura e na forma de escrever do autor romântico, nota-se já a vontade que as letras portuguesas sentem de dar um salto em frente e evoluir. Há traços já de um pré-realismo que anseia por se revelar aos seus leitores, sem repudiar todos os seus ingredientes românticos. Sem mais demoras, analisemos a história.
   Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda. Este é o nome do protagonista deste romance, morgado mirandês que nos é apresentado como um exemplo de retidão e de seriedade, sendo um homem estudioso e fiel à sua esposa, D. Teodora de Figueiroa. É conservador e defensor da tradição e dos bons costumes portugueses. Logo no início do romance nos é descrita a sua vida familiar antes de nos informar que Calisto foi eleito pelo círculo de Miranda como deputado, razão pela qual este parte para Lisboa. Chegado à capital, Calisto é surpreendido pela diferença entre a Lisboa descrita pelos seus clássicos e a Lisboa oitocentista em final de século, fervilhando de ideias liberais. Daqui avança a história em crescendo, sempre narrando os dois aspetos basilares desta obra: as paixões e as ideias políticas de Calisto. Não é revelação abusiva do enredo referir que ambas sofrem uma metamorfose radical. O final é tão surpreendente e romântico quanto irónico e mordaz, como apenas Camilo Castelo Branco consegue escrever. 
   Como referi acima, este romance é vincadamente romântico, embora se notem umas pequenas luzes que antecipam a evolução pela qual a literatura portuguesa passaria mais tarde. Todas as características românticas e camilianas se encontram presentes, como os grandes protagonistas, a tragédia do Destino, os amores, o coração versus a cabeça, a metamorfose da alma, as atribulações do sentimento. Mas notam-se também algumas características realistas, como a crítica social e a paródia dos costumes, estas duas quase sempre presentes nas obras deste autor. Estas características realistas não são tanto consideradas pelos estudiosos, a meu ver, por serem marcas da personalidade do próprio autor. Camilo Castelo Branco foi muito irónico e mordaz durante a sua vida, características essas que sempre imprimiu nas suas obras, numas mais expressamente que noutras. Por todo o romance observamos uma crítica feroz aos políticos portugueses, à futilidade dos seus discursos e à prossecução apenas dos seus interesses. Camilo Castelo Branco é considerado justamente como um dos melhores escritores da língua portuguesa, e este romance relembrou-me as razões para tal. Camilo mexe-se pela língua portuguesa como um peixe na água, brinca com as palavras, tem um à-vontade na sua língua que lhe permite conjugar as palavras de maneiras tão brilhantes quanto esteticamente perfeitas. Ler Camilo Castelo Branco é aprender a escrever bom português decentemente. 
   Dito isto, recomendo fortemente que este romance seja lido. Camilo Castelo Branco é dos nossos melhores escritores, e este romance, como outros, confirma-o. É um livro para ser lido, apreciado e relembrado. 

Citações:
"Paupertas impulit audax. Isto que o Horácio faminto dizia de si, acomodam-no os regedores da coisa pública aos professores de primeiras letras; porém, outros muitos versos do Horácio farto, esses, tomam-nos eles para seu uso."
"Tenho aqui à minha beira o demónio da verdade, inseparável do historiador sincero, o demónio da verdade que não consentiu ao Sr. Alexandre Herculano dizer que Afonso Henriques viu coisas extraordinárias no céu do campo de Ourique, e a mim me não deixa dizer que Calisto Elói não adulterou em pensamento!"
"- Meu amigo, abra os olhos, que não há martirológio para as toupeiras. As ideias não se formam na cabeça do homem; voejam na atmosfera, respiram-se no ar, bebem-se na água, coam-se no sangue, entram nas moléculas, e refundem, reformam e renovam a compleição do homem."


Pontuação: 9.8/10


Deliciosas leituras,
Gonçalo M. Matos

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