Há muito tempo que era meu desejo ler este romance de Camilo Castelo Branco, por uma variada quantidade de razões, entre as quais a história. A história de A Queda dum Anjo é uma que é bem conhecida do público português. Camilo Castelo Branco, aprendemos nós nas aulas de português, foi o escritor mais prolífico do Romantismo português, e um grande defensor deste movimento literário. E as marcas que definem uma obra romântica encontram-se todas neste romance, com todos os seus tiques camilianos. Mas o que me leva a referir isto é o facto de aqui já se notar uma metamorfose na literatura e na forma de escrever do autor romântico, nota-se já a vontade que as letras portuguesas sentem de dar um salto em frente e evoluir. Há traços já de um pré-realismo que anseia por se revelar aos seus leitores, sem repudiar todos os seus ingredientes românticos. Sem mais demoras, analisemos a história.
Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda. Este é o nome do protagonista deste romance, morgado mirandês que nos é apresentado como um exemplo de retidão e de seriedade, sendo um homem estudioso e fiel à sua esposa, D. Teodora de Figueiroa. É conservador e defensor da tradição e dos bons costumes portugueses. Logo no início do romance nos é descrita a sua vida familiar antes de nos informar que Calisto foi eleito pelo círculo de Miranda como deputado, razão pela qual este parte para Lisboa. Chegado à capital, Calisto é surpreendido pela diferença entre a Lisboa descrita pelos seus clássicos e a Lisboa oitocentista em final de século, fervilhando de ideias liberais. Daqui avança a história em crescendo, sempre narrando os dois aspetos basilares desta obra: as paixões e as ideias políticas de Calisto. Não é revelação abusiva do enredo referir que ambas sofrem uma metamorfose radical. O final é tão surpreendente e romântico quanto irónico e mordaz, como apenas Camilo Castelo Branco consegue escrever.
Como referi acima, este romance é vincadamente romântico, embora se notem umas pequenas luzes que antecipam a evolução pela qual a literatura portuguesa passaria mais tarde. Todas as características românticas e camilianas se encontram presentes, como os grandes protagonistas, a tragédia do Destino, os amores, o coração versus a cabeça, a metamorfose da alma, as atribulações do sentimento. Mas notam-se também algumas características realistas, como a crítica social e a paródia dos costumes, estas duas quase sempre presentes nas obras deste autor. Estas características realistas não são tanto consideradas pelos estudiosos, a meu ver, por serem marcas da personalidade do próprio autor. Camilo Castelo Branco foi muito irónico e mordaz durante a sua vida, características essas que sempre imprimiu nas suas obras, numas mais expressamente que noutras. Por todo o romance observamos uma crítica feroz aos políticos portugueses, à futilidade dos seus discursos e à prossecução apenas dos seus interesses. Camilo Castelo Branco é considerado justamente como um dos melhores escritores da língua portuguesa, e este romance relembrou-me as razões para tal. Camilo mexe-se pela língua portuguesa como um peixe na água, brinca com as palavras, tem um à-vontade na sua língua que lhe permite conjugar as palavras de maneiras tão brilhantes quanto esteticamente perfeitas. Ler Camilo Castelo Branco é aprender a escrever bom português decentemente.
Dito isto, recomendo fortemente que este romance seja lido. Camilo Castelo Branco é dos nossos melhores escritores, e este romance, como outros, confirma-o. É um livro para ser lido, apreciado e relembrado.
Citações:
"Paupertas impulit audax. Isto que o Horácio faminto dizia de si, acomodam-no os regedores da coisa pública aos professores de primeiras letras; porém, outros muitos versos do Horácio farto, esses, tomam-nos eles para seu uso."
"Tenho aqui à minha beira o demónio da verdade, inseparável do historiador sincero, o demónio da verdade que não consentiu ao Sr. Alexandre Herculano dizer que Afonso Henriques viu coisas extraordinárias no céu do campo de Ourique, e a mim me não deixa dizer que Calisto Elói não adulterou em pensamento!"
"- Meu amigo, abra os olhos, que não há martirológio para as toupeiras. As ideias não se formam na cabeça do homem; voejam na atmosfera, respiram-se no ar, bebem-se na água, coam-se no sangue, entram nas moléculas, e refundem, reformam e renovam a compleição do homem."
Pontuação: 9.8/10
Deliciosas leituras,
Gonçalo M. Matos
Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda. Este é o nome do protagonista deste romance, morgado mirandês que nos é apresentado como um exemplo de retidão e de seriedade, sendo um homem estudioso e fiel à sua esposa, D. Teodora de Figueiroa. É conservador e defensor da tradição e dos bons costumes portugueses. Logo no início do romance nos é descrita a sua vida familiar antes de nos informar que Calisto foi eleito pelo círculo de Miranda como deputado, razão pela qual este parte para Lisboa. Chegado à capital, Calisto é surpreendido pela diferença entre a Lisboa descrita pelos seus clássicos e a Lisboa oitocentista em final de século, fervilhando de ideias liberais. Daqui avança a história em crescendo, sempre narrando os dois aspetos basilares desta obra: as paixões e as ideias políticas de Calisto. Não é revelação abusiva do enredo referir que ambas sofrem uma metamorfose radical. O final é tão surpreendente e romântico quanto irónico e mordaz, como apenas Camilo Castelo Branco consegue escrever.
Como referi acima, este romance é vincadamente romântico, embora se notem umas pequenas luzes que antecipam a evolução pela qual a literatura portuguesa passaria mais tarde. Todas as características românticas e camilianas se encontram presentes, como os grandes protagonistas, a tragédia do Destino, os amores, o coração versus a cabeça, a metamorfose da alma, as atribulações do sentimento. Mas notam-se também algumas características realistas, como a crítica social e a paródia dos costumes, estas duas quase sempre presentes nas obras deste autor. Estas características realistas não são tanto consideradas pelos estudiosos, a meu ver, por serem marcas da personalidade do próprio autor. Camilo Castelo Branco foi muito irónico e mordaz durante a sua vida, características essas que sempre imprimiu nas suas obras, numas mais expressamente que noutras. Por todo o romance observamos uma crítica feroz aos políticos portugueses, à futilidade dos seus discursos e à prossecução apenas dos seus interesses. Camilo Castelo Branco é considerado justamente como um dos melhores escritores da língua portuguesa, e este romance relembrou-me as razões para tal. Camilo mexe-se pela língua portuguesa como um peixe na água, brinca com as palavras, tem um à-vontade na sua língua que lhe permite conjugar as palavras de maneiras tão brilhantes quanto esteticamente perfeitas. Ler Camilo Castelo Branco é aprender a escrever bom português decentemente.
Dito isto, recomendo fortemente que este romance seja lido. Camilo Castelo Branco é dos nossos melhores escritores, e este romance, como outros, confirma-o. É um livro para ser lido, apreciado e relembrado.
Citações:
"Paupertas impulit audax. Isto que o Horácio faminto dizia de si, acomodam-no os regedores da coisa pública aos professores de primeiras letras; porém, outros muitos versos do Horácio farto, esses, tomam-nos eles para seu uso."
"Tenho aqui à minha beira o demónio da verdade, inseparável do historiador sincero, o demónio da verdade que não consentiu ao Sr. Alexandre Herculano dizer que Afonso Henriques viu coisas extraordinárias no céu do campo de Ourique, e a mim me não deixa dizer que Calisto Elói não adulterou em pensamento!"
"- Meu amigo, abra os olhos, que não há martirológio para as toupeiras. As ideias não se formam na cabeça do homem; voejam na atmosfera, respiram-se no ar, bebem-se na água, coam-se no sangue, entram nas moléculas, e refundem, reformam e renovam a compleição do homem."
Pontuação: 9.8/10
Deliciosas leituras,
Gonçalo M. Matos
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