Húmus é a obra mais conhecida de Raul Brandão, e uma das obras mais influentes da literatura portuguesa do século XX. As temáticas presentes nesta obra levam a que tenha sido identificada como o primeiro romance existencialista português, tendo da influência deste romance nascido o movimento existencialista português na segunda metade do século XX.
Como se trata de um romance-ensaio filosófico, o autor deu pouco ênfase a uma história em concreto e dedicou-se mais aos pensamentos do narrador. A narrativa apresenta-nos um espaço físico, uma vila, várias personagens que apenas preenchem o espaço físico, para relembrar o leitor de que se trata de uma história humana, com seres humanos, e um tempo, sensivelmente um ano. Tratando-se de uma obra existencialista, a história surge como uma mera desculpa para o autor poder enveredar pelas suas divagações. No entanto, neste romance, ao contrário de outros do mesmo estilo, não tem uma história determinável, sendo composto de um ou outro acontecimento que apenas servem para introduzir uma nova linha de pensamento do narrador. O que é concretamente determinável é que a história se centra num narrador anónimo e no seu alter-ego, o filósofo lunático Gabiru, com quem envereda num longo monólogo interior enquanto expõem as suas impressões sobre a vida na vila e no mundo, sendo as suas opiniões quase sempre antagónicas. A estes juntam-se outros personagens que não existem realmente, que são apenas a visão que o narrador tem de cada um.
Húmus é um romance que não é bem um romance. É uma prosa poética. É um ensaio e não é. É um diário sem o ser verdadeiramente. Húmus é uma contradição constante, não sendo nem de um género nem de outro. O húmus, o composto orgânico, também é uma contradição, é composto de matéria morta, mas de si nasce a vida. Talvez seja essa a razão porque Raul Brandão escolheu o título de Húmus para este seu romance filosófico. A vida e a morte são uma constante ao longo do romance, e o narrador confronta sempre a dura realidade que é a morte com a mentira que é a vida pensada em relação à vida real. O narrador chama a essa vida pensada ilusão, ilusão causada pela necessidade do homem em negar a morte e em negar a dura realidade das coisas. As divagações filosóficas do narrador percorrem todo o tipo de temas, sempre subjugados às duas temáticas principais. O narrador fala em hipocrisia, em sonho, em fé, nos oprimidos. O romance organiza-se, na minha visão, em quatro ciclos temáticos, uma vez que no final de cada sequência de capítulos há um capítulo reservado á visão de Gabiru. Não há temas que escapem à dissecação do narrador e à análise contundente e delirante de Gabiru. Gabiru tem quase como que uma palavra final, um último dizer sobre as coisas, cada ciclo temático termina com um capítulo apelidado de "Papéis do Gabiru", no qual o Gabiru expõe a sua visão peculiar sobre os temas que o narrador analisou.
Para quem gosta de grandes romances carregados de filosofia e pensamento tem em Húmus um romance ideal. Não é uma leitura fácil, e é por isso que eu apenas recomendaria este romance a quem aprecia este tipo de dissecação filosófica da realidade. No entanto, trata-se de uma obra marcante na literatura portuguesa que deve ser lida por todos os apreciadores da grande literatura.
Citações:
"Sob estas capas de vulgaridade há talvez sonho e dor que a ninharia e o hábito não deixam vir à superfície. Afigura-se-me que estes seres estão encerrados num invólucro de pedra: talvez queiram falar, talvez não possam falar."
"É ele que me prega: - Toda a agitação é inútil. Não tenhas medo da desgraça! - E eu tenho medo da desgraça. À força de hábito cheguei a mantê-lo no seu lugar, mas nunca o pude suprimir, e quanto mais me aproximo da morte, mais saudades levo do Gabiru, que me estragou a vida toda."
"Aqui estamos todos bichos em frente de bichos, os que pagam as letras e os que têm as letras protestadas, nós e nós, nós e os ladrões das estradas, nós vestidos e grotescos, nós nus e trágicos - nós e o universo monstruoso! Nós corretos e nós disformes, nós e o céu profundo na sua temerosa realidade."
Pontuação: 7/10
Gonçalo Martins de Matos
Como se trata de um romance-ensaio filosófico, o autor deu pouco ênfase a uma história em concreto e dedicou-se mais aos pensamentos do narrador. A narrativa apresenta-nos um espaço físico, uma vila, várias personagens que apenas preenchem o espaço físico, para relembrar o leitor de que se trata de uma história humana, com seres humanos, e um tempo, sensivelmente um ano. Tratando-se de uma obra existencialista, a história surge como uma mera desculpa para o autor poder enveredar pelas suas divagações. No entanto, neste romance, ao contrário de outros do mesmo estilo, não tem uma história determinável, sendo composto de um ou outro acontecimento que apenas servem para introduzir uma nova linha de pensamento do narrador. O que é concretamente determinável é que a história se centra num narrador anónimo e no seu alter-ego, o filósofo lunático Gabiru, com quem envereda num longo monólogo interior enquanto expõem as suas impressões sobre a vida na vila e no mundo, sendo as suas opiniões quase sempre antagónicas. A estes juntam-se outros personagens que não existem realmente, que são apenas a visão que o narrador tem de cada um.
Húmus é um romance que não é bem um romance. É uma prosa poética. É um ensaio e não é. É um diário sem o ser verdadeiramente. Húmus é uma contradição constante, não sendo nem de um género nem de outro. O húmus, o composto orgânico, também é uma contradição, é composto de matéria morta, mas de si nasce a vida. Talvez seja essa a razão porque Raul Brandão escolheu o título de Húmus para este seu romance filosófico. A vida e a morte são uma constante ao longo do romance, e o narrador confronta sempre a dura realidade que é a morte com a mentira que é a vida pensada em relação à vida real. O narrador chama a essa vida pensada ilusão, ilusão causada pela necessidade do homem em negar a morte e em negar a dura realidade das coisas. As divagações filosóficas do narrador percorrem todo o tipo de temas, sempre subjugados às duas temáticas principais. O narrador fala em hipocrisia, em sonho, em fé, nos oprimidos. O romance organiza-se, na minha visão, em quatro ciclos temáticos, uma vez que no final de cada sequência de capítulos há um capítulo reservado á visão de Gabiru. Não há temas que escapem à dissecação do narrador e à análise contundente e delirante de Gabiru. Gabiru tem quase como que uma palavra final, um último dizer sobre as coisas, cada ciclo temático termina com um capítulo apelidado de "Papéis do Gabiru", no qual o Gabiru expõe a sua visão peculiar sobre os temas que o narrador analisou.
Para quem gosta de grandes romances carregados de filosofia e pensamento tem em Húmus um romance ideal. Não é uma leitura fácil, e é por isso que eu apenas recomendaria este romance a quem aprecia este tipo de dissecação filosófica da realidade. No entanto, trata-se de uma obra marcante na literatura portuguesa que deve ser lida por todos os apreciadores da grande literatura.
Citações:
"Sob estas capas de vulgaridade há talvez sonho e dor que a ninharia e o hábito não deixam vir à superfície. Afigura-se-me que estes seres estão encerrados num invólucro de pedra: talvez queiram falar, talvez não possam falar."
"É ele que me prega: - Toda a agitação é inútil. Não tenhas medo da desgraça! - E eu tenho medo da desgraça. À força de hábito cheguei a mantê-lo no seu lugar, mas nunca o pude suprimir, e quanto mais me aproximo da morte, mais saudades levo do Gabiru, que me estragou a vida toda."
"Aqui estamos todos bichos em frente de bichos, os que pagam as letras e os que têm as letras protestadas, nós e nós, nós e os ladrões das estradas, nós vestidos e grotescos, nós nus e trágicos - nós e o universo monstruoso! Nós corretos e nós disformes, nós e o céu profundo na sua temerosa realidade."
Pontuação: 7/10
Gonçalo Martins de Matos
Sem comentários:
Enviar um comentário