segunda-feira, 21 de agosto de 2017

"2666", de Roberto Bolaño - Parte 1



   A obra 2666, de Roberto Bolaño, é um estrondoso sucesso entre a crítica literária, tendo recebido inúmeros prémios e trazido grande destaque ao seu autor na literatura de língua espanhola. Sendo um livro assustadoramente extenso, é uma obra monumental que desafia qualquer leitor aventureiro. Como estas férias me senti com vontade de aventura, decidi enveredar na leitura desta obra. Originalmente planeado para ser publicado em cinco volumes, este romance é chamado de obra maior de um autor com crescente relevo na literatura latino-americana. Sendo uma obra extensa, tratarei da sua análise de uma maneira diferente. Por isso, começando pelas duas primeiras partes, desejem-me sorte na leitura destas imensas (1030!) páginas.


A Parte dos Críticos


   Nesta parte somos introduzidos aos quatro seguidores da obra de Benno von Archimboldi, Jean-Claude Pelletier, Manuel Espinoza, Piero Morini e Liz Norton, e às suas visitas conjuntas a festivais de literatura europeia, enquanto autoridades no estudo da obra do autor. Paralelamente, estes embrenham-se em desvendar o segredo do anonimato de Archimboldi, tentando procurar por ele, seguindo pistas muito ténues na esperança de o conhecer um dia. Essa esperança, no entanto, vê-se gorada. No entanto, as suas questões pessoais são exploradas por cada um quase como que motivadas pela busca por Archimboldi. No final, a sua busca leva-os à cidade de Santa Teresa, no México, onde continuam sem conseguir localizar Archimboldi, mas chegam a conclusões sobre as suas vidas. 
   Esta primeira parte não revela muito do enredo geral de 2666, mas serve antes como um set up, uma preparação do cenário onde irá encaixar o resto da narrativa. São-nos introduzidos alguns personagens, locais e eventos que irão aparecer mais à frente na obra. Penso que é uma boa introdução ao estilo do romance, apesar de ser um pouco parada e extensa. Não obstante, o estilo de escrita é muito peculiar, com uma linguagem ao mesmo tempo acessível e erudita, com descrições ora da natureza circundante, ora do espaço psicológico, muito bem equilibradas. Tem também um tom filosófico subjacente, mas sem entrar em densidades excessivas que cansariam o leitor. Gosto especialmente como a importância da leitura é subtilmente mencionada no texto, sem ser muito diretamente, como se fosse uma mensagem milenar que não necessita de explicações ou apresentações.
   Para já, como já referi, trata-se de uma introdução ao universo de 2666, sendo ligeiramente desprovida de ação, mas cativante, mesmo assim. Espero uma grande experiência deste romance.

Citações:
"No pátio quadriculado chovia, o céu quadriculado parecia o esgar de um robô ou de um deus feito à nossa semelhança, na relva do parque as oblíquas gotas de chuva deslizavam para baixo, mas teria significado o mesmo se deslizassem para cima"
"Os vinte minutos iniciais tiveram um tom trágico onde a palavra destino foi usada dez vezes e a palavra amizade vinte e quatro. O nome de Liz Norton foi pronunciado cinquenta vezes, nove delas em vão. A palavra Paris foi dita em sete ocasiões. Madrid, em oito. A palavra amor foi pronunciada duas vezes, uma por cada um. (...) A palavra solipsismo, em sete. A palavra eufemismo, em dez. A palavra categoria, no singular e no plural, em nove."

Pontuação d' A Parte dos Críticos: 1.1/2



A Parte de Amalfitano

   Nesta parte somos introduzidos a Óscar Amalfitano, professor universitário, de Filosofia, e à sua existência solitária, quer em Espanha, quer no México. Dividindo a história em duas parte principais, na primeira parte é-nos relatada as aventuras da mulher de Amalfitano, Lola, enquanto esta leva uma vida errante com o objetivo de visitar o seu poeta favorito a um manicómio. Na segunda parte, acompanhamos a existência de Amalfitano, juntamente com a sua filha, Rosa, enquanto este vive diversas preocupações como o medo de estar a enlouquecer e a segurança da sua filha. Mais uma vez, o pano de fundo principal é a cidade de Santa Teresa.
   A história que nos é apresentada nesta parte não tem relação direta com a anterior, apenas aparecendo alguns dos personagens secundários em ambas (sendo que Amalfitano participa no final da história anterior). Continua sem haver uma ligação direta com o enredo geral do romance, sendo introduzidas novas temáticas, com uma relação quase indireta com as temáticas anteriores. Gostei mais da história desta parte do romance. Inclusive da parte da dúvida de Amalfitano sobre a sua sanidade mental, explorada pelo autor de uma maneira que roçava o sonho. Um sonho no sentido de desapego da realidade "normal" a que todos estamos acostumados. O estilo de escrita altera-se, também, mas apenas formalmente, descartando o autor o uso de parágrafos, travessões ou aspas para iniciar os diálogos. 
   Até agora o romance não tem sido nada de espetacular, mas também não tem sido desinteressante ou aborrecido. Tenho ainda uma visão neutra do romance. Apesar de esta parte ter sido muito interessante.

Citações:
"A Universidade de Santa Teresa parecia um cemitério que em vão se pusera repentinamente a refletir. Também parecia uma discoteca vazia."
"Estas ideias ou estas sensações, ou estes desvairos, por outro lado, tinham o seu lado satisfatório. Transformava a dor dos outros na memória de nós próprios. Transformava a dor, que é longa e natural, e que vence sempre, em memória particular, que é humana e breve e que escapa sempre."

Pontuação d' A Parte de Amalfitano: 1.4/2

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