terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

"Mau Tempo no Canal", de Vitorino Nemésio

   Mau Tempo no Canal é, sem sombra de dúvida uma das obras mais interessantes e importantes da literatura portuguesa contemporânea. Atrevo-me até a afirmar que é uma das grandes obras da literatura portuguesa do século XX. Possuidora de um enredo complicado mas de fácil compreensão, e escrita com um vocabulário cuidado mas acessível, trata-se de uma leitura fácil e arrebatadoramente profunda. Conseguimos discernir dessa obra muito dos sentimentos do próprio autor. 
   Penso que posso declarar que Mau Tempo no Canal não passa de uma "desculpa" do autor para poder dissertar sobre as suas amadas ilhas. Elaboro agora esta afirmação. Vitorino Nemésio, na altura em que compôs a obra, encontrava-se cá, no continente, e saudosista das suas ilhas, da terra que o viu nascer. Se tivermos isso em consideração aquando da leitura da obra, isso tornar-se-á mais evidente. 
   A história segue um par de namorados, Margarida Clarck Dulmo e João Garcia, última geração de famílias rivais, e explora, qual Romeu e Julieta, a impossibilidade dos dois em ficarem juntos. A pobre Margarida até chega a sofrer punição física por parte do pai. Mas a verdadeira história, mascarada desta desventura amorosa, é o quotidiano da sociedade açoriana, a descrição da magnífica paisagem das ilhas (em especial, o Faial e o Pico) e o trabalho árduo dos pescadores da Horta. Vitorino Nemésio chegou até a redigir o sotaque popular açoriano (por exemplo, "Arremedava... Mãis, infim... sempre era aparlhar prò alto.").
   Acrescento que esta obra foi vencedora do Prémio Ricardo Malheiros em 1944 e é, na opinião de David Mourão-Ferreira a "obra romanesca mais complexa, mais variada, mais densa e mais subtil" de "toda a nossa história literária" (Colóquio, n.º 42).
   Concluo afirmando que Mau Tempo no Canal é uma obra de leitura obrigatória para qualquer amante de literatura (como eu).

Citações:
"João Garcia garantiu que sim, que voltava. Os olhos de Margarida tinham um lume evasivo, de esperança que serve a sua hora. Eram fundos e azuis, debaixo de arcadas fortes.";
"Januário Garcia, fazendo ranger as molas e a capota da vitória aliviadas, apeou-se carrancudo à porta do escritório.";
"Diogo Dulmo lançara este «não leste?» encarando a filha de frente, como quem tinha o silêncio por compridinho de mais."


Pontuação: 8.5/10


Boas leituras,
Gonçalo M. Matos