quinta-feira, 19 de março de 2020

"Orgulho e Preconceito", de Jane Austen

   Orgulho e Preconceito é uma das obras essenciais da literatura inglesa, sendo também uma das mais acarinhadas pelo público anglófono. E tal não se deve apenas às inúmeras adaptações cinematográficas, televisivas e teatrais deste romance, mas também, e principalmente, aos seus temas e às suas personagens. 
   O romance começa por nos apresentar um dos temas que o atravessam, que é o casamento e a sua importância na Inglaterra no início do século XIX. A protagonista da obra é Elizabeth Bennet, segunda de cinco filhas do casal Bennet. A principal preocupação da mãe de Elizabeth é casar bem pelo menos uma das suas filhas, uma vez que os Bennet não possuem nenhum filho herdeiro dos seus bens. Mr. e a Mrs. Bennet constituem um casal muito díspar em génio e filosofia, repercutindo-se tal no próprio génio e educação das suas filhas. Sendo tão fulcral para Mrs. Bennet o bom casamento das suas filhas, é natural que a chegada de novos vizinhos à pequena localidade de Merryton despolete a sua intenção de as apresentar imediatamente. É assim que os protagonistas desta obra se cruzam todos pela primeira vez, num baile social organizado pelo novo vizinho, Mr. Bingley. Desde o início que Bingley e Jane, a irmã mais velha de Elisabeth, se dão muito bem, facto que orgulha muito a sua mãe. Já Elizabeth não pôde deixar de considerar o amigo de Bingley, Mr. Darcy, um homem arrogante e orgulhoso, tão diferente da personalidade do primeiro. Estão assim lançadas as bases para uma sucessão de eventos que levam Elizabeth numa viagem sentimental tão vincada que deitam por terra todas as suas convicções e seguranças, demonstrando também alguma da mesquinhez e futilidade da sociedade inglesa do início do séc. XIX. Tudo se conjuga para que no final, esses orgulho e preconceito que dominam as normas sociais serão afastados por sentimentos mais profundos da alma humana, tudo terminando em bem, como se de um conto de fadas se tratasse. 
    O estilo de Jane Austen encaixa no período de transição para o realismo, uma vez que, apesar de a história constituir uma narrativa romântica, a autora introduz já vários dos motivos literários da estética realista. Nomeadamente, o narrador de Austen discorre em discurso indireto livre, narrando os acontecimentos na terceira pessoa mas sempre através dos olhos e das ideias de Elizabeth. Vamos aprendendo todos os factos que rodeiam os personagens e as situações à medida que a própria Elizabeth as descobre. A autora socorre-se igualmente da ironia para desmontar as farsas da sociedade inglesa do seu tempo, outra grande marca do estilo realista. Escreverei agora sobre o ponto mais forte deste romance e o porquê de, em minha opinião, ser uma obra ainda tão apreciada nos dias de hoje. As personagens de Austen não são meras criações escritas em papel e tinta, são seres mais do que tridimensionais, são seres vivos que respiram, sentem e sofrem. Jane Austen tem um enormíssimo talento para criar personagens vivas, e Elizabeth está entre as melhores personagens de ficção que alguma vez li, não pelas suas ações, mas porque vivi com ela as suas inquietações, as suas frustrações e as suas alegrias. Elizabeth Bennet está viva e respira, sorri e sofre como qualquer leitor que leia esta obra. E esse é um dos fatores que impulsiona este romance para junto dos grandes romances anglófonos. É também, conforme disse, por essa razão que ainda hoje esta obra é tão apreciada, não pelas inúmeras adaptações, mas pelas personagens reais, humanas e tangíveis que Austen nos apresenta. Sem dúvida esta é a pedra angular do romance, as personagens vivas, de carne e osso. As personagens-tipo não são tão desenvolvidas como as principais, mas lá se encontram a cumprir o seu papel, da mãe de Elizabeth até à comunidade mesquinha e coscuvilheira de Merryton, passando por Mrs. Catherine de Bourgh, uma personagem odiosa que representa a futilidade da aristocracia até a Mr. Collins, primo de Mr. Bennet e representante de uma burguesia tecnocrata e bajuladora dessa mesma nobreza decadente. Uma última referência deve ser feita a Mr. Darcy, que, tal como Elizabeth, cresce com o evoluir da história, contribuindo para esse realismo humano de Austen. 
   Trata-se este de um dos romances de leitura obrigatória da literatura mundial. 

Citações:
"É uma verdade universalmente reconhecida que um homem solteiro na posse de uma bela fortuna necessita de uma esposa."
"Permita-me dizer-lhe, então, minha querida prima, que considero a sua recusa ao meu pedido destituída de qualquer fundamento e que, por conseguinte, não passa de uma mera formalidade. As razões que me levam a pensar assim são, em resumo, as seguintes: não me parece que a minha mão seja indigna de do seu acolhimento ou que as condições que eu lhe posso oferecer não sejam mais do que altamente desejáveis."
"Merryton em peso parecia esforçar-se por denegrir o homem que três meses antes fora quase como um anjo de bondade. Diziam que ele devia dinheiro a todos os comerciantes da localidade e que as suas aventuras, todas designadas por «seduções», se tinham estendido às famílias dos vários comerciantes. Todos eram unânimes em declarar que ele era o homem mais perverso do mundo e todos começaram a descobrir que sempre haviam desconfiado dele, apesar da sua aparência de distinção." 


Pontuação: 8.5/10


Gonçalo Martins de Matos