terça-feira, 28 de abril de 2015

"o remorso de baltazar serapião", de valter hugo mãe

   o remorso de baltazar serapião é uma obra interessante. E aborrecida. E cativante. E bizarra. Sinceramente, não sei o que dizer deste livro. Fiquei sem certeza se gostei, se não gostei. Não consigo chegar a uma conclusão quanto a isso. Não ajudou o facto de estar completamente escrito em minúsculas. Pois, porque há ainda esse ponto. Valter Hugo Mãe (valter hugo mãe, na altura em que escreveu este livro) escreveu os seus primeiros quatro romances completamente em minúsculas, sem nenhuma distinção qualquer e não ser pontos finais e vírgulas. Isso torna só por si a leitura muito labiríntica, e por consequência, muito confusa e maçadora. Houve alturas em que eu não conseguia sair de um parágrafo porque tentava perceber quem estava a falar, quem não estava, se era o narrador ou se já eram personagens... Enfim, essa parte estragou-me ligeiramente a leitura. Porque Saramago ainda se lê, que ele, quando iniciava o diálogo, escrevia uma vírgula e a seguir maiúscula. Agora, tudo em minúsculas, peço desculpa, torna tudo confuso. Quanto à história, achei-a maçadora no início, cativante a meio. Mas o final... argh!... o final foi uma desilusão. Foi muito bizarro, muito apagado, muito... não sei dizer! Não consigo dizer o que foi, o que sinto quanto ao final, quanto ao livro! 
   Bom, a história trata de baltazar serapião, chamado sarga porque este é o apelido que o povo deu à sua família, por causa da vaca da família, a sarga. baltazar é um homem feito da idade média. O que implica isso? Talvez tenha adivinhado. É machista. Mas um machista ferrenho e inquebrável. E as sua opiniões quanto às mulheres irritaram-me durante a leitura da obra. Não consegui criar empatia pelo protagonista. Talvez fosse essa a intenção de Valter Hugo Mãe. Bom, não quero narrar muito da história porque qualquer momento (e este é um ponto positivo) é impossível de resumir, ou por se tratar de uma reviravolta, ou por se ter de referir os antecedentes e algumas das consequências. Apenas refiro que estes vivem numa propriedade pertencente a um nobre, de seu nome dom afonso (cuja mulher, dona catarina, é uma vaca, uma cobra), que a sarga é como o "cão" da família, que baltazar casa com ermesinda, a mulher mais bela da vila e que acontecem inúmeras peripécias, não felizes e infelizes, juntamente com o seu irmão aldegundes. Digo apenas que eu não gostei particularmente da história (e da forma como foi narrada), mas admito a sua criatividade e a sua novidade.
   Agora, aquele que foi para mim o aspeto mais positivo da leitura: a mensagem. A mensagem que Valter Hugo Mãe transmite é grande, é forte, é intemporal, é verdadeira, é infelizmente atual e verdadeira, é direta. No fundo, a mensagem que o autor transmite é, sem querer revelar muito mais, que sempre houve uma mentalidade bruta e imoral contra as mulheres, e que esta ainda se manifesta (cada vez menos, mas ainda lá está). 
   Foi esta a obra de Valter Hugo Mãe que venceu o Prémio José Saramago de 2007. Saramago considerou o remorso de baltazar serapião um fenómeno revolucionário. E, de facto, não discordo. As minúsculas e a forma como o autor brinca com o português, fazendo deste uma bola de plasticina, a qual molda à mercê da sua imaginação. Para mim, não foi muito interessante, mas não deixo de reconhecer a originalidade da narrativa.
   Não tenho mais nada a dizer. Mas recomendo-o. Recomendo que este livro seja lido. Não gostei, mas não desgostei. E olhando para o seu sucesso com a crítica e com o público geral, muitos hão de haver por aí que gostem da escrita e da narrativa. 

Citações:
"a voz das mulheres estava sob a terra, vinha de caldeiras fundas onde só o diabo e gente a arder tinham destino. a voz das mulheres, perigosa e burra, estava abaixo de mugido e atitude da nossa vaca, a sarga, como lhe chamávamos."
"e foi o teodolindo quem gritou, matas a rapariga, e eu só olhei depois e vi que era a teresa diaba, carga descarregada, como se ela me tivesse saído do cu."
"abre, parecia dizer o próprio sol, abre-te, e abri os olhos e boca pouco vendo e bocejando, ganhando lenta consciência da diferença daquela manhã para com todas as outras."


Pontuação: 6.7/10


Alegres leituras,
Gonçalo M. Matos