sexta-feira, 29 de maio de 2015

"Jerusalém", de Gonçalo M. Tavares

   Jerusalém pode muito bem ter sido uma das grandes desilusões que já tive quanto à relação entre expetativa e leitura. Ou não. A verdade é que cheguei ao final do livro sem saber o que dizer dele. Não sei dizer se gostei. Sei que quis ler, nunca pensei em parar a meio, mas sempre que lia, ficava com a sensação que as palavras não me convidavam a ficar, fiquei com a sensação que as palavras eram robots, desprovidos de sentimentos e antipáticos. No entanto, essas mesmas palavras faziam-me querer continuar. Este autor é muito elogiado (e com razão, este livro não é o meu primeiro contacto com o autor), e esta obra também. Quanto à obra, não compreendo o porquê de ser tão elogiada. As palavras são desprovidas de sentimento, os personagens não são identificáveis (com isto quero dizer que o narrador não as conseguiu tornar apelativas). Resumindo, fiquei com a sensação de estar a ler um livro de Ciências, de Matemática, um livro objetivo, racional, lógico. Talvez resida aí a sua novidade e o seu cariz inovador. Afirmo que para mim a literatura não é objetiva, não é racional, não é lógica. Mas isto no caráter da narrativa. Dito isto, avanço para os pontos a favor. A história narrada no livro é interessante, tem um desfecho interessante e um final igualmente interessante. Mas mais do que isso não. Tem também a organização dos capítulos como ponto a favor.
   Avançando agora para a história em si. À medida que a narrativa progride, são-nos introduzidos os vários personagens desta obra. Mylia, Ernst Spengler, Theodor e Kaas Busbeck, Hinnerk Obst e Hanna. Outros são introduzidos, mas estes são os principais. Mylia e Ernst, dois esquizofrénicos, Theodor, médico e investigador reputado, Kaas, filho de Theodor, miúdo com problemas na fala e uma deficiência nas pernas, Hinnerk, ex-combatente e... nada mais digo, terá de ler, e Hanna, uma prostituta. A narrativa foca-se nas relações que se estabelecem entre cada um dos personagens, e das suas relações com os outros e consigo mesmas. E é basicamente isto. Eu sei, dito assim parece muito desinteressante. E para mim foi. Mas aconselho a ler. Se muitos outros gostaram, há a hipótese de gostar também. Apenas digo que existem, de facto, algumas reviravoltas, mas são previsíveis (pelo menos, eu previa-as a chegar enquanto lia). No entanto, não deixam de ser interessantes e até surpreendentes, num caso ou noutro. Refiro-me brevemente ao aspeto que mais confuso me deixou: o final. Quando cheguei ao final, aí é que fiquei sem saber o que pensar da leitura. Foi fraco? Foi bom? Foi...? Não sei. Foi talvez um dos finais mais bizarros que já li. 
   E foi isto. Há um velho ditado português que afirma: "não te iludas, que não te desiludes". Infelizmente, iludi-me, tive altas expetativas quanto a este livro, li-o e desiludi-me. Achei o livro medianamente interessante. Já o disse, é um tipo de literatura que não é, na minha modesta visão, literatura. Dito isto, não compreendo como foi este o livro vencedor do Prémio José Saramago de 2005. Nem compreendo o porquê de Saramago o ter catalogado como pertencente à grande literatura ocidental. Mas mais uma vez, trata-se da minha opinião. Posto isto, não recomendo a sua leitura, mas aconselho-a. Ou seja, não recomendo a leitura de Jerusalém, mas se me perguntar se o deve ler, deve. Penso que um livro deve sempre ser lido, independentemente do que dizem os outros. Teremos sempre uma opinião diferente. No meu caso, tive uma opinião diferente.

Citações:
"Ernst Spengler estava sozinho no seu sótão, já com a janela aberta, preparado para se atirar quando, subitamente, o telefone tocou. Uma vez, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, catorze, Ernst atendeu"
"Kaas estava zangado. Como médico e como pai, Theodor não tinha o direito de o deixar sozinho meio da noite. Uma cobardia, murmurava."
"Conta os teus dedos, quantos dedos?
Cinco, responde Mylia.
Vês?, diz Witold, tens a mão toda.
Falta a mão, insiste Mylia."


Pontuação: 5.8/10


Boas leituras,
Gonçalo M. Matos