segunda-feira, 5 de junho de 2017

"O Alienista", de Machado de Assis

   Machado de Assis é unanimemente considerado como o nome maior da literatura brasileira, produzindo na sua época uma obra bastante abrangente e influenciando os escritores brasileiros procedentes. É considerado pelo crítico literário Harold Bloom um dos maiores génios da Literatura. O Alienista é uma obra bem característica do estilo do autor brasileiro, mas que não é tão conhecida como outras obras deste. 
   A história segue o percurso de Dr. Simão Bacamarte, um insigne médico e grande estudioso, que, regressando à sua vila natal, Itaguaí, decide dedicar-se ao estudo da mente humana. Bacamarte decide, com esse propósito, construir uma casa onde albergasse todos os loucos de Itaguaí, que ficou conhecida pelo nome de Casa Verde. Com o passar do tempo, vão sendo aprisionadas na Casa Verde pessoas que aparentemente não padeciam de loucura alguma, o que foi provocando, aos poucos, a revolta no coração dos habitantes da vila. Este sentimento é despoletado pelo barbeiro Porfírio, que lidera uma revolta contra o "tirano" da Casa Verde, mas que acaba por destituir o Governo, assumindo ele, o barbeiro, o governo da vila. Após uma distorção ética que apenas o poder pode despertar no coração humano, há ainda outra revolta para destituir o barbeiro, liderada por outro barbeiro, este de seu nome João Pina, que foi internado na Casa Verde pouco depois. Certo dia, a vila espanta-se ao saber que os loucos seriam todos postos na rua. A razão para tal decisão, segundo Simão Bacamarte, era uma inversão na sua teoria da loucura: não era louco quem possuía o desequilíbrio das suas faculdades, era-o que possuía um equilíbrio perfeito destas. Com esta premissa, todos aqueles que possuíam caráteres perfeitamente éticos eram internados na Casa Verde. Não satisfeito, ainda assim, Simão Bacamarte, após muito meditar, chega à conclusão de que o louco era ele, porque possuía um equilíbrio perfeito nas suas faculdades, internando-se, assim, na sua própria instituição.
   Antes de começar, quero apenas dizer que o género desta história é debatido pelos estudiosos, havendo os que a consideram um conto e os que pensam dela uma novela, opção para a qual me inclino mais. Esta novela é um exemplo perfeito de como um texto pequeno pode estar carregado de significado. O toque satírico que o autor dá ao texto complementa harmoniosamente a profundidade ensaística por este pretendida, resultando numa novela divertida e filosófica, algo para nos fazer rir e pensar, duas características dificílimas de conjugar tão bem. Os personagens da história representam metaforicamente vários aspetos da história humana, sempre com as revoltas e as submissões em constante ebulição nas suas almas. O mais interessante na novela é a inversão que sofre a teoria de Simão Bacamarte. A teoria começa pelo que é considerado o correto, que louco é quem possui o desequilíbrio das suas faculdades, sendo que este conceito vai sendo alargado ao longo do texto, com o médico a internar cada vez mais pessoas sem um critério delimitativo da loucura. Isto até chegar à conclusão de que louco é quem possui o equilíbrio perfeito das suas faculdades, internando, desta vez, as pessoas que possuíam um caráter forte, ético, "normal". Isto assim acontece por intenção do autor, para nos levar a questionar, afinal, o que é a loucura, o que fará de uma pessoa um louco ou normal. Também serve para estabelecer uma crítica à sociedade da sua época, dizendo o autor com este texto que a loucura se generalizou, sendo, para mim, a maior crítica e representação disso, o episódio em que o único vereador da Câmara que é contra o regime de exceção do governo é internado na Casa Verde, precisamente por possuir o rigor ético no seu caráter. 
   Em suma, trata-se esta de uma obra que vale bem a pena ser lida e conhecida do público, pelo seu caráter simultaneamente satírico e filosófico. 

Citações:
"Como fosse grande arabista, achou no Corão que Maomé declara veneráveis os doidos, pela consideração de que Alá lhes tira o juízo para que não pequem. A ideia pareceu-lhe bonita e profunda, e ele a fez gravar no frontispício da casa; mas, como tinha medo ao vigário, e por tabela ao bispo, atribuiu o pensamento a Benedito VIII, merecendo com essa fraude aliás pia, que o Padre Lopes lhe contasse, ao almoço, a vida daquele pontífice eminente."
"Tudo era loucura. Os cultores de enigmas, os fabricantes de charadas, de anagramas, os maldizentes, os curiosos da vida alheia, os que põem todo o seu cuidado na tafularia, um ou outro almocaté enfunado, ninguém escapava aos emissários do alienista."
"O vereador Freitas propôs também a declaração de que em nenhum caso fossem os vereadores recolhidos ao asilo do alienados: cláusula que foi aceite, votada e incluída na postura, apesar das reclamações do vereador Galvão. O argumento principal deste magistrado é que a Câmara, legislando sobre uma experiência científica, não podia excluir as pessoas dos seus membros das consequências da lei; a exceção era odiosa e ridícula."


Pontuação: 9.5/10


Gonçalo Martins de Matos

sábado, 3 de junho de 2017

"A Volta ao Mundo em Oitenta Dias", de Jules Verne

   A história de A Volta ao Mundo em Oitenta Dias é uma das histórias mais acarinhadas do pai da ficção científica, Jules Verne. As histórias de Jules Verne estão repletas de relatos tão fantásticos como criativos, sendo o autor considerado como um dos mais imaginativos autores do final do século XIX e do início do século XX. E é notável a imaginação impressa nas páginas de Jules Verne.
   Dito isto, passemos à história. Phileas Fogg é um típico gentleman inglês, regrado, fleumático e rigoroso. A sua vida segue uma rotina rigorosa, sempre igual e metódica, calculada ao segundo. Este conhece Jean Passepartout, que apresenta os seus serviços de criado a Phileas Fogg, julgando encontrar no rigoroso patrão a estabilidade que sempre desejou para a sua vida. No entanto, Phileas Fogg faz uma aposta com os seus colegas do Reform Club em como é possível fazer uma viagem à volta do Mundo em oitenta dias. Assim fica apostado e sem perder mais tempo, Fogg e Passepartout partem em viagem nesse mesmo dia. No entanto, uma suposição errada leva no seu encalço o agente Fix, inspetor da polícia extremamente confiante das suas capacidades. Após alguns eventos pontuais, Phileas Fogg decide, na Índia, resgatar uma mulher que serviria como sacrifício num ritual parse, chamada Mrs. Aouda. Estão assim os personagens principais desta história introduzidos. O resto da narrativa trata de todas as aventuras e eventuais desventuras que estes personagens viveram na sua viagem, culminando tudo num final feliz e didático.
   Não tenho muito a dizer deste livro de Jules Verne. É uma leitura leve e direta, não perdendo tempo com pormenores desnecessários mas presenteando os leitores com descrições mais pormenorizadas de vez em quando. A personagem mais fascinante desta obra é Phileas Fogg, o indecifrável inglês. É o único personagem em quem se nota alguma evolução, começando o livro metódico, frio e calculista e terminando da mesma maneira, mas feliz e aberto a novos sentimentos. Eu diria que esta é uma das maiores falhas do livro, os personagens são os mesmos do início ao fim, não evoluem com as situações que defrontam. No entanto, neste caso, este aspeto não contribui muito negativamente para o livro, uma vez que este foi escrito com o propósito de entreter apenas. E nesse aspeto é impecável, é de fácil e contagiante leitura. 
   Trata-se de uma obra marcante de um autor marcante no campo do uso da imaginação na construção da narrativa, sendo, no entanto, uma história simples e que serve como entretenimento. Quem se diverte e entretém com a leitura deve ler este livro, pois foi um dos maiores contributos para os livros de ação e ficção científica que se seguiram nos séculos seguintes.

Citações:
"Phileas Fogg saíra da casa de Saville Row às onze e meia e, depois de ter posto quinhentas e setenta e cinco vezes o pé direito diante do pé esquerdo e de ter colocado quinhentas e setenta e seis vezes o pé esquerdo diante do pé direito, chegou ao Reform Club, vasto edifício, construído em Pall-Mall, que não custou menos de três milhões."
"Phileas Fogg, com o corpo direito, as pernas abertas, firme como um marinheiro, contemplava, sem cambalear, o mar agitado. A jovem, sentada à popa, sentia-se comovida ao contemplar o oceano, já invadido pelas sombras do crepúsculo, e cuja fúria ela arrostava numa frágil embarcação."
"Estes fios de metal, semelhantes às cordas de um instrumento, soavam como se algum arco os fizesse vibrar. O trenó voava no meio de uma harmonia plangente, de sonoridade muito particular."


Pontuação: 6.8/10


Gonçalo Martins de Matos