terça-feira, 27 de março de 2018

"A Quinta Essência", de Agustina Bessa-Luís

   Agustina Bessa-Luís tem, nas letras portuguesas atuais, lugar cativo entre os seus maiores cultores. De facto, de entre as maiores virtudes apontadas a esta autora está a sua desconexão a escolas ou estilos, praticando um estilo muito próprio que a demarca dos demais autores. E, tendo esta informação como ponto de partida, eis que descubro por casa um romance relativamente desconhecido da escritora, cujas informações são escassas. Naturalmente, algo tão misterioso despertou logo a minha curiosidade e decidi lê-lo. O resultado é misto, no entanto. Esperava uma leitura apaixonante e não me desiludi. Mas também me desiludi. Mais à frente falarei sobre esse estranho misto de sensações. 
   O romance A Quinta Essência segue a história de José Carlos Pessanha, última geração de uma casa burguesa cujas posses e estilo de vida lhes foram retirados com a ocorrência da Revolução dos Cravos. Sentindo-se despojado do luxo a que estava habituado, José Carlos jura vingança contra uma classe desconhecida e inclassificável, mas personificada no coronel Sequeira, militar em quem o jovem Pessanha deposita o objeto do seu ódio. Esse desejo levá-lo-á a embarcar numa viagem a Macau, onde trava conhecimento com a família Andrade, cuja segunda geração, Emília, chegou a ter um caso com o militar. Após serões e serões de convívio com personagens singulares, como a matriarca siara Debra Andrade, Chen e outros, José Carlos envereda pela concretização da sua vingança, seduzindo a filha de Emília, Iluminada (assim chamada por tradução, sendo o seu nome originalmente chinês), com o objetivo de destruir a família e, com ela, o seu inimigo. Mas por diversas razões, acaba José Carlos por se apaixonar pela jovem. E deste facto parte o resto da história, entre dores, sofrimentos e a análise de figuras históricas com quem Pessanha se identifica. 
   Estarão por esta altura a perguntar-se como uma história tão simples preenche 370 páginas. Bem, é aqui que entra o estilo particular da autora, a razão porque demorei tanto tempo a ler o romance e porque, apesar disso, desejo voltar a ler Agustina. Para começar, Agustina Bessa-Luís sempre se declarou admiradora de Camilo Castelo Branco. E as influências deste notam-se bem no estilo da escritora. O romance inteiro é um tsunami de vernáculo, o português empregue é cuidado, polido, requintado e agradável, muito ao estilo de Camilo. Ler bom vernáculo é sempre um deleite inqualificável. Outro factor interessante é a gigantesca quantidade de informação que o romance carrega, sendo que, depois desta leitura, fiquei muito informado sobre os piratas portugueses nos mares da China, a presença dos jesuítas no Oriente e as dinastias e cultura chinesas. No entanto, este ponto também pesou, e muito, para a demora em avançar com a leitura. Era uma sensação estranha, sempre que retomava a leitura, ter dificuldade em avançar e esgotar-me depressa do que lia e, no entanto, não querer parar e ter vontade de avançar. É um misto de desejos que me fez confusão, e se calhar foi por isso que não achei esta leitura tão espetacular como prometia. Mas, apesar disso, ficou um enorme desejo de voltar a ler Agustina. Não porque gostei particularmente deste romance, mas porque sinto que vou gostar dos próximos. É uma sensação estranha e curiosa. Outra questão que contribuiu para a morosidade da leitura foi a enorme quantidade de informação histórica e factual que preenchia cada pequeno pedaço da intriga principal. 
   É assim, nesta nota, que termina esta análise. Nem gostei nem desgostei. Decerto que este romance encontrará o seu público-alvo, não pertenço a essa categoria. Mas recomendo a leitura dos autores nacionais, de Agustina, face à degradação literária que a máquina industrial nos oferece atualmente. 

Citações:
"Um dia um amigo, em Lisboa, ficou admirado da sua figura tão rara como português, escuro e magro, com grandes barbas, seco, maldizente, único. «Você é lindo!» E ele, com aquele ar insolente para com a sua própria humanidade, respondeu assim:
- Eu sou um aborto duma grande beleza."
"Mas eis o que tinha acontecido: havia um eremita que não aceitava nada de ninguém, nem que fosse ao preço dum só cabelo seu. Se lhe oferecessem o Império por um cabelo da sua cabeça, ele teria recusado. Então disseram-lhe que ele não serviria o povo se tivesse que renunciar a um cabelo. E foi perseguido por causa disto, quando as coisas não se passaram assim. Era uma pessoa desprendida, e não egoísta. Será tão difícil não as confundir?"
"Acho que percebi o que os cristãos querem dizer quando amam a Deus de todo o coração, de toda a alma e de toda a mente. Isso faz com que todas as forças e paixões se reúnam num só ponto do Universo, que não podemos alcançar. O que se alcança sempre nos desilude"


Pontuação: 5/10


Gonçalo Martins de Matos

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